Texto da petiana Laura Mendonça sobre a sua experiência de intercâmbio.
Cartas de Ibagué: o oásis de uma Colômbia livre do conflito armado.
Cheguei na Colômbia há um mês, mas me parece um ano, o mês de agosto é
infinito e foi justamente nesses 30 dias com cerca de 8760 horas que vim parar na capital
musical da Colômbia, como é conhecida Ibagué. Uma cidade tranquila, com cerca de 600
mil habitantes, arborizada, quente, chuvosa e extremamente católica, então nem preciso
dizer quão conservadora é. A Universidad de Ibagué é uma faculdade particular, com
uma estrutura física do caralh*! O programa de direito é famoso por seu ensino jurídico de
caráter formalista, dogmático e tendente a uma visão política de direita. Essa é uma
síntese muito superficial apenas para contextualizar, já que essa é a primeira carta e é
importante terem ideia de onde está vindo.
Enfim, você, mulher, brasileira, estudante de direito de universidade pública,
feminista, de esquerda, sagitariana (isso é super importante) percebe que saiu da grande
bolha em que vivia e não estou me referindo apenas a bolha Regional Goiás, estou me
referindo a bolha Brasil. Estar aqui me fez perceber que vivemos numa grande bolha
dentro da América Latina e essa distância entre nós e os outros países vai além do
idioma, está nos costumes, na música, na moda, em tudo, até no modelo econômico. Isso
é um questionamento feito em conversas durante a Conferência Internacional “Tierras y
Terriorios em las Américas: acaparamientos resistências y alternativas”, que aconteceu
em Bogotá na última semana. Quer dizer, apesar de estarmos no meio de uma crise
econômica/política/social, sermos governados pela “esquerda” (risos) aliada ao capital e
ao agronegócio durante anos, conseguimos frear o neo-liberalismo mais do que a maioria
dos países latinos, me pergunto como e acredito que esse fato deve mudar nos próximos
meses depois da consolidação do golpe.
Assistir ao golpe foi algo que realmente mexeu comigo, o povo colombiano é
extremamente patriota, têm bandeiras colombianas em quase todos os comércios, o que
me fez perceber que nós não somos, ainda bem! Como disse Samuel Johnson, o
patriotismo é o último refúgio dos canalhas, ou o primeiro, como pontuou Millôr
Fernandes. Não estou criticando o povo colombiano porque pelo tempo que estive aqui
ainda não pude perceber quais frutos o nacionalismo trouxe para o país, mas no Brasil
sabemos que ele é uma arma da direita. Vimos a classe média e os ricos baterem suas
panelas antiaderentes na sacadas de seus apartamentos no Leblon vestidos com a
camiseta da seleção, irem para “manifestações” com essa mesma camiseta com o
símbolo de uma instituição corrupta, tomando seu champagne enquanto gritavam Dilma
vagabunda, não sei vocês mas eu morro de vergonha dessa camisa e dessas pessoas.
Ontem foi o jogo da Colômbia de eliminação para a Copa do Mundo, é surreal, todas as
pessoas estavam com a camisa da seleção, fui assisti ao jogo e era como se fosse a final
da copa do mundo. As pessoas sempre me perguntam se eu trouxe a camisa do Brasil e
sempre tento explicar o que ela representa, o que não serve para nada já que “futebol e
política não se misturam”. Ah! Não é importante, mas me parece cômico, perdi as contas
de quantas vezes as pessoas me perguntaram se eu conheço o Neymar, se sou do Rio
de Janeiro ou porque eu não moro no Rio de Janeiro, me pergunto se as pessoas sabem
que a capital do Brasil é Brasília e que o Neymar é um artista que mora em Barcelona e
sonegou quase 200 milhões de reais em impostos no Brasil.
Vivemos um momento crucial na história do Brasil e também na história
colombiana. No dia 24 de agosto de 2016 as Forças Armadas Revolucionárias da
Colômbia (FARC) e os governo da Colômbia chegaram a um acordo de paz definitivo
para o conflito armado que dura mais de 50 anos. O acordo vai ser votado pela
população colombiana em forma de plebiscito no dia 2 de outubro, é um passo muito
importante para um povo que não suporta mais viver em uma guerra constante. A
esquerda se unificou em prol do SIM no plebiscito, estão fazendo campanha pela paz e
estar aqui me fez perceber a dimensão da guerra que o país vive a tanto tempo, é como
um trauma, não se fala disso, a não ser agora sobre o acordo de paz. Ainda não entendi
se há motivos reais para não firmarem o acordo, mas conversando com algumas pessoas
há dois pontos principais: os que não querem o acordo porque acham que o governo está
se subordinando a “terroristas” e os que não querem o acordo porque acreditam que as
FARC está se rendendo e o governo não vai cumprir sua parte. O acordo inclui o
desarmamento das FARC, a reforma rural integral, feita pelo governo, e as FARC terão
representação política garantida nas duas próximas legislaturas. São 297 páginas de
acordo e ainda não tive tempo de ler, mas quero o fazer para ter uma opinião mais
concreta e embasada, até o momento aparenta ser o caminho para a paz que a Colômbia
implora a tanto tempo.
Acredito que o intercâmbio vai muito além do campo acadêmico, como diria uma
pessoa da Regional Goiás: “não há nada de acadêmico que você vai aprender lá que
você não aprende aqui, o aprendizado será humano e social”. Assim, penso que a
riqueza da experiência não está em decorar o código Sustantivo del Trabajo colombiano
nem em fazer a análise de como ele é neoliberal com máscara de solidário, é entender
como os cidadãos vivem isso, trocar experiência com o povo respeitando a minha cultura
e a deles, não vou falar em vivenciar porque me parece impossível em 5 meses
entender/viver a mesma realidade das pessoas aqui. Estou fazendo a minha vivência,
que é muito carregada com minhas individualidades e minha brasilidade, mas espero
conseguir absorver ao máximo o saber e a prática da realidade local, e, se possível,
poder contribuir também, já que o propósito é a troca. Alguém disse que a paz verdadeira
está na construção de justiça social, concordo com essa pessoa e queria muito que a
Colômbia e toda América Latina estivessem indo por esse caminho, contudo sabemos
que a estrada é longa e cheia de pedras (Temer’s, EUA, capitalismo), mas espero que
apesar das pedras não paremos de caminhar e que não nos esqueçamos de que aqui
respiramos luta!
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